Dicas práticas para estimular a criatividade
- Edu Furasté
- 11 de fev. de 2022
- 11 min de leitura
Atualizado: 14 de fev. de 2022
Criatividade é uma competência. Uma habilidade que pode ser desenvolvida e aperfeiçoada. Saiba como.
“- Edu, você nasceu pra trabalhar com propaganda!
- Ué, porque?
- Porque você é tão criativo!”

Acho que eu não conseguiria começar a escrever sobre criatividade, um dos meus temas favoritos, começando de outra forma que não seja pela desmistificação do conceito de criatividade. O diálogo acima, com as suas variações possíveis, me acompanha praticamente desde que iniciei minha carreira profissional de publicitário – e lá se vão vinte (bons) anos.
O bem-intencionado elogio mascara um erro bastante comum. E por acaso um médico não pode ser um profissional criativo? Um economista? Um mecânico? Não só podem como devem. Porque afinal, ninguém nasce só com um lado do cérebro (ok, vá lá, eu pesquisei: existem nove registros de hemi-hidranencefalia no mundo. E ainda assim, caso tenham ficado curiosos, nosso órgão é capaz de se adaptar com o tempo e suprir normalmente todas as funções).
Fechado esse parênteses, vamos ao segredo: criatividade não é um “dom” divino ou talento genético, como muita gente pressupõe. Criatividade é uma competência. Uma habilidade que pode ser desenvolvida e aperfeiçoada. Não é privilégio “de humanas” nem “de exatas”. O que acontece é que profissionais dessas áreas, que precisam criar diariamente, são mais estimulados.
Todos nós, homo sapiens, nascemos com ferramentas e capacidades que nos permitem exercer a criatividade de forma plena, em qualquer atividade profissional. Mas então, por que algumas pessoas conseguem ter ideias e sacadas geniais e outras tremem diante de um papel vazio ou um desafio a que não estejam condicionadas? Isso é o que vamos ver a seguir.
O que é Criatividade?
Criatividade, substantivo feminino, do latim creatus, do verbo creare. Indica a capacidade de criar, produzir ou inventar coisas novas. Não existe um consenso acadêmico na definição do termo. São diversas as suas interpretações, nem sempre associadas necessariamente à inovação, ou a “criar algo novo” e sim, em como nos relacionamos, de forma espontânea, com o mundo. Houaiss associa criatividade à engenhosidade e nesse sentido, não por acaso, o brasileiro é considerado um dos povos mais criativos do mundo. É pela nossa incrível capacidade de dar um jeitinho, de improvisar, resolver problemas e situações, muitas vezes de modo inusitado. “O brasileiro tem que ser estudado pela Nasa’”, é a legenda um clássico meme das redes sociais para acompanhar a imagem de alguma gambiarra genial.
Por que as crianças parecem ser mais criativas?
Isso acontece porque na infância nós temos uma sede inata de conhecer e explorar o mundo. Nossa curiosidade permite experimentar, arriscar e questionar, sem medo. As crianças são naturalmente mais espontâneas e ousadas. Elas exercitam a imaginação através das brincadeiras e possuem maior liberdade para errar. Acima de tudo, crianças não tem medo do erro, nem do ridículo. Conforme crescemos, nosso ocorre uma gradual diminuição do nosso potencial criativo. Alguns estudiosos atribuem às instituições educativas uma grande influência nesse aspecto, ao normatizar e padronizar o pensamento infantil. Outros fatores são a falta de estímulos, censura e a pressão de crescer. É da natureza humana a busca por se enquadrar em padrões de comportamento. Adultos vão incorporando conceitos como medo de errar e vergonha de se expressar. A vida adulta automatiza as nossas atividades e condiciona nossas respostas a estímulos.
A nossa infância funciona como um imenso laboratório criativo, um ensaio para a vida adulta. Para Freud, a criatividade adulta está relacionada com a brincadeira infantil. Crianças que brincam e são estimuladas a usarem a criatividade e a imaginação no dia-a-dia acabam se tornando adultos mais seguros, mais preparados para lidar com imprevistos e com maior senso criativo na resolução de problemas.
Para a neurocientista Dra. Shelley Carso, autora do livro “O Cérebro Criativo”, nosso cérebro possui sete padrões mentais de criatividade, que são maneiras como vemos o mundo ao nosso redor e resolvemos problemas, que ela agrupou na sigla CREATES. Segundo a autora, a grande maioria das pessoas tende a usar apenas um deles em atividades criativas. O desafio consiste em resolver problemas experimentando a utilização de outros padrões, saindo do modo automático, o que aumentaria nossa capacidade criativa. São eles:
Conectar (Connect): habilidade em conectar conceitos ou objetos desconexos entre si, através de foco e concentração, aumentando os níveis de inspiração e motivação para seguir criando.
Razão (Reason): habilidade em usar o raciocínio lógico para exercitar a criatividade. Consiste em saber vasculhar nossos próprios arquivos mentais.
Visualizar (Envision): utilizar-se de recursos visuais para perceber semelhanças entre ideias que não se relacionam, conseguir atribuir representações visuais para conceitos abstratos.
Absorver (Absorb): habilidade de manter a mente clara, alerta, e receptiva a novas possibilidades. Ao observar, absorver e registrar informações, sem críticas ou julgamentos, as ideias passam a fluir.
Transformar (Transform): habilidade de mudar sentimentos negativos em pensamentos positivos, canalizando essas energias na criação ou em um estado mental positivo, que propicie a inspiração.
Avaliar (Evaluate): Habilidade de filtrar e validar as ideias que podem ou não serem aproveitadas.
Corrente (Stream): É um último estágio, quando você, finalmente, deixa de sentir dificuldade para pensar em novas ideias, elas simplesmente fluem.
Como ser mais criativo?
Podemos trabalhar a criatividade buscando, lá na infância, alguns desses fatores latentes:
1. Ter curiosidade pelo novo e pelo diferente.
Reaprenda a olhar o mundo com os olhos de uma criança. Adultos tendem a fazer sempre as mesmas coisas, no modo automático. A curiosidade pelo diferente nos ajuda a colocar o foco, não na busca pela resposta mais lógica e sim, no nosso percurso mental, nas associações de pensamentos e ideias.
2. Perder o medo de fracassar
O medo de errar e o medo das críticas nos engessa. A maioria das ideias geniais nasceu de processos de tentativa e erro, a partir de muita transpiração. Precisamos aprender a nos importar menos com a opinião alheia. Quantas vezes calamos por medo de nossas ideias parecerem bobas ou não serem aceitas?
3. Alimentar o “banco de dados” do nosso subconsciente
Subconsciente é o termo usado na psicologia para definir aquilo que está fora da consciência. É a parte da nossa mente que funciona como um grande banco de dados, onde vamos armazenando, desde nossa infância, todo o tipo de sentimentos, impressões, pensamentos, crenças e informação. Tudo o que lemos, conversamos, assistimos, escutamos, aprendemos, vai deixando registros nessa memória.
9 Dicas práticas para estimular a criatividade
Ter novas ideias, pensar em soluções, inovar, são capacidades importantes em todas as profissões, mesmo as que não trabalham em áreas consideradas criativas. Por isso, listo a seguir, algumas dicas de como exercitar a capacidade criativa.
1. Leia muito.
Eu sou um leitor à moda antiga. Gosto de manusear os livros, sentir o cheiro do papel. Mas hoje em dia existem ótimas opções em pdf a preços acessíveis ou mesmo gratuitas, para leitura em kindle ou tablets. Conforme lemos, nosso cérebro vai se exercitando, elaborando os cenários, as cenas, os personagens. Ler, por si só, é um ótimo exercício de criatividade, além de melhorar nosso foco e a concentração, ampliar vocabulário e aprimorar a nossa escrita.
2. Escreva muito.
Se você chegou até aqui porque é redator ou produtor de conteúdo, como eu, essa é uma dica que soa bastante óbvia, mas sempre pertinente. Exercitar a criatividade através da escrita é uma ótima prática para qualquer pessoa que queira ampliar sua capacidade criativa. A rotina de escrever amplia nosso repertório, nos tira da zona de conforto e exercita os mecanismos de busca no nosso subconsciente, seja um blog, conteúdo em redes sociais, artigos, crônicas, poemas. Anote também seus pensamentos, suas ideias e impressões.
3. Seja um observador atento do cotidiano.
O uso de telas, sobretudo dos smatphones, tem nos tomado cada vez mais tempo. Ao mesmo tempo que trazem entretenimento e informação, também nos apartam do mundo. Pratique o exercício da observação cotidiana. Repare nas pessoas ao redor quando for tomar um café, por exemplo. Como falam, a postura, como gesticulam. Eu adoro puxar um dedo de prosa com os garçons, com o porteiro do prédio, com pessoas que enxergam o mundo sob outras perspectivas que não a de usuário/consumidor. O olhar atento ao ambiente que nos rodeia e suas mensagens é um ótimo exercício de alimentação do nosso subconsciente. E não custa lembrar, é de lá que saem nossos insights criativos.
4. Saia da bolha: permita-se experiências novas.
Todo mundo tem suas preferências. E o gosto - todo mundo sabe - é algo absolutamente pessoal. Vale pra música, filmes, livros, comidas, estilo de vida. Por isso, cuidado: não caia na armadilha da sensação de superioridade intelectual, que nada mais é do que preconceito. Ela é recorrente e você deve resistir a essa tentação. Viajar para um lugar inédito, fazer um curso, provar um prato diferente, são experiências que enriquecem nossa bagagem cultural.
Por isso, se você quer exercitar a sua criatividade, permita-se o exercício de sair da sua bolha, ao menos de vez em quando. Sabe aquele influencer que causou polêmica semana passada e você nunca tinha escutado falar? Aquele cantor cujo acidente causou verdadeira comoção e você precisou procurar no Google quem era? A youtuber com milhões de seguidores que está causando em um reality show e você não sabe nem como escreve o nome? São alguns dos sinais de que sua bolha está te engessando. E sentir-se regozijado por causa disso é apenas arrogância. É evidente que você não precisa gostar de tudo, mas desafie-se ao menos a conhecer, entender que tipo de entretenimento que as outras pessoas estão consumindo.
5. Aproveite a sua própria companhia.
Tenha seus momentos de ócio criativo. Eles são fundamentais, não só para sua criatividade, como também para a sua saúde mental. Reserve momentos só para você (sim, eu sou pai e sei como às vezes é difícil). Você pode estar caminhando, correndo, cozinhando, passeando com o cachorro, cuidando do jardim ou, simplesmente, não fazendo nada. Nessas horas, procure relaxar, esvaziar a mente das preocupações.
Avalie e planeje sua rotina, organize seus pensamentos. Mas fique longe das telas: esse é um encontro com você mesmo. Meditar é outra atividade que distenciona e exercita regiões do cérebro embaçadas pelo dia-a-dia, aliviam o estresse e a ansiedade. Eu tenho muitos estalos criativos quando estou tomando banho, por exemplo. Estabeleça seus próprios rituais, tome uma taça de vinho, aproveite sua própria companhia, nem que seja alguns minutos por dia. Muitos insights preciosos surgem desses momentos.
6. Tenha um hobby.
Esse item reforça o item anterior. Um hobby nos ajuda a trabalhar foco e concentração e potencializa esses momentos de autoconexão, especialmente se ele for ligado às artes, música, ao artesanato ou trabalhos manuais. Muitas ideias boas costumam surgir quando estamos nos expressando artisticamente, de forma mais livre, sem pressões, interferências ou prazos. Ter um hobby significa investir tempo em alguma atividade que nos dá prazer. Fazer o que se gosta nos torna mais motivados. E pessoas motivadas tendem a ser mais criativas.
7. Colecione referências.
Colecionar referências é um ótimo exercício para ampliar seu repertório criativo. Armazene tudo aquilo que te inspira ou chama a atenção. Existem sites ótimos, como o Pinterest, Dribble, e Behance, por exemplo. Pesquise o que as pessoas andam criando, o que as empresas estão oferecendo, como estão se comunicando, o que é tendência, o que é moda. Existem também ótimas referências que não estão na internet. Ande pelas ruas e sempre que alguma coisa chamar a atenção, fotografe, anote ou mesmo desenhe.
8. Aproveite o seu sono.
Nós passamos um terço da nossa vida dormindo. E durante o sono, nosso cérebro permanece ativo, desligando apenas a parte da consciência. Pesquisas recentes mostram que o nosso cérebro processa informações complexas durante o sono e usa essas informações para tomar decisões quando estamos acordados. Ele se ocupa gerando novas memórias, consolidando algumas mais antigas e estabelecendo conexões entre essas memórias. A falta de sono, por outro lado, pode ter um efeito significativo no hipocampo, a parte do cérebro envolvida na criação e consolidação da memória. Aproveite seu sono. Faça um brainstorm antes de dormir adquira o hábito de anotar ideias e sonhos assim que acordar. Mais de uma vez me acordei no meio da noite para anotar ideias. Quando despertamos, nosso subconsciente ainda está bastante ativo, mas a consciência vai “apagando” as memórias lentamente. O esforço para lembrar dos sonhos estimula a memória e alguns insights preciosos podem surgir.
9. Um pouco de caos liberta.
A criatividade e as boas ideias brotam da inquietação. A comodidade pasteuriza nosso comportamento e nossas ideias. Saia da zona de conforto sempre que possível. O mundo sistematiza, ordena e categoriza tudo. Cuide para não ser encaixotado também. A desordem nos desafia, muitos insights surgem da aparente bagunça. Questione os rótulos, as soluções prontas e os atalhos, esteja aberto para mudanças repentinas, enfrente os imprevistos com bom humor.
Criar é acumular e conectar
A criatividade pode ser ensinada, treinada e tem muito mais a ver com transpiração do que com a inspiração. Além de curioso, você precisa ser um verdadeiro acumulador de referências. De modo geral, podemos dizer que pessoas mais criativas são aquelas que possuem mais bagagem acumulada no subconsciente e conseguem tirar proveito dessas experiências e informações, realizando conexões para cumprir determinados propósitos.
Essa bagagem pode ser generalista – especialmente para nós que trabalhamos com publicidade – ou ser especifista, dizer respeito a um nicho específico de atuação. Você pode ser um gênio criativo no futebol, como Ronaldinho Gaúcho, nas artes plásticas, na cozinha, em uma sala de aula, em uma pesquisa científica. E embora a desigualdade social em países como o nosso prejudique o acesso à informação, cultura e educação formal, a criatividade é democrática. Todos podem ser criativos, desde que desenvolvam o hábito de observar, acumular referências e praticar, experimentando e testando soluções. O processo de acumular referências no subconsciente vem da curiosidade e da inquietação.
Processo criativo: tenha método
A criatividade pode ser treinada mas o processo criativo é bem pessoal. Você precisa praticar até descobrir o seu. Cada um vai encontrar a melhor maneira de ter e desenvolver ideias. Porque a criação está em saber acessar, de algum modo, esses arquivos mentais e fazer uso deles, conectando ideias entre si. Você nem sabe que esses arquivos existem, mas eles estão lá. Ao longo do tempo, tudo o que você consome, experimente, sente ou vive vai sendo guardado nesse HD.
E como acessar esses arquivos? Se você, como eu, vive de ideias com prazos, precisa ter um processo criativo com foco e método. Como eu costumo fazer:
- Antes de pensar na solução, eu primeiro dedico algum tempo da minha atenção focando em compreender o problema que precisa ser resolvido, as suas nuances, o resultado que esperam que eu entregue. De que formas posso resolver esse problema, que tipo de soluções posso entregar.
- Pesquiso exaustivamente todas as referências possíveis. Mesmo as que possuem vinculação indireta com o problema. É o momento de acumular informações.
- Por fim, foco na solução. Para isso, vou trabalhando com associações de ideias. Ponho tudo no papel, vou rabiscando, anotando, testando, sem medo de especular. Eu tenho o hábito de encher cadernos com anotações aleatórias e desenhos estranhos.
- E sempre que possível, deixo tudo em “banho maria” para o subconsciente trabalhar, nem que seja por meia hora. Chamos isso de incubação de ideias. Quando volto a me debruçar sobre a tarefa, os insights brotam mais facilmente.
Parindo a ideia
Eureka! Diria nosso amigo Arquimedes de Siracusa. Você teve uma ideia genial. Está orgulhoso de si mesmo! Sem querer jogar água no chopp, aceite um pequeno conselho: anote, esboce e deixe guardada. Depois, faça de conta que ela não existe e recomece seu processo criativo. Faça isso quantas vezes puder. Tente ver por outros ângulos. Busque novos pontos de partida. Lembre-se da transpiração. Se você estiver lidando com um prazo que seja razoavelmente confortável, pare a sua criação depois de um tempo e vá fazer outra coisa, completamente aleatória. Retome no dia seguinte, se puder. Use a incubação criativa. Você verá que seu subconsciente se movimentou nessa pausa e novos insights surgirão.
Um último toque pra quem vive de ideias: tenha cuidado para não tropeçar no perfeccionismo, ele pode te imobilizar. Honre seus prazos e apresente suas ideias sem vaidade ou apego emocional. A partir do momento em que você compartilha suas ideias elas pertencem a um coletivo. Não tenha ciúmes e não tema as críticas. Muitas vezes as outras pessoas irão enxergar aspectos que tinham passados despercebidos e que complementam e ampliam a sua ideia original. A gente cria os filhos para o mundo, já dizia a minha mãe. Suas ideias serão interpretadas, sentidas e avaliadas com base em outras referências, e as vezes, outras expectativas. Alterar também faz parte do processo.
Espero ter contribuído. Boa sorte e muitos insights criativos!
Livros que recomendo sobre o assunto:
Roube como um artista, do designer e escritor Austin Kleon (Editora Rocco)
Caos Criativo, de Tim Harford (Editora belas Letras)
Criatividade em Propaganda, do Roberto Mena Barreto (Summus Editorial. Um clássico: o meu é de 1981, é incrivelmente atual na sua essência).
Somos todos criativos – Ken Robinson
O mito da criatividade: desconstruindo verdades e mitos – Fabio Zugman (Alta Books)
O cérebro criativo, da Dra. Shelley Carson (Editora Best Seller). O meu é de 2012.
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